Casar ou comprar uma bicicleta? Viajar pelo mundo ou fazer concurso? Se aventurar numa nova carreira ou tentar aquela promoção? Dizem que a vida é feita de escolhas, mas será mesmo que somos nós que estamos escolhendo? Há ainda quem diga que escolher não é dizer “sim” para uma coisa, mas “não” para todas as outras (meio dramático). Seja lá como você as encare, decidir demanda uma certa dose de reflexão e pode significar sofrimento para muita gente. 

Recentemente fiz um workshop sobre Decisiveness (Decisividade? 🤔) com a School of Life de Amsterdam e para ajudar os em cima do muro transcrevi aqui o que aprendi naquela tarde. Como todas as conversas filosóficas, não encontrarás por aqui muitas respostas simples, mas boas perguntas. Ainda assim juro que tentei deixar cada tópico o mais pragmático possível para os titubeantes de plantão.

1. Entenda os seus critérios de desempate

Pense em uma decisão tomada no passado que foi particularmente difícil para você. Mudar de emprego, terminar um relacionamento, comprar uma casa, desistir daquela faculdade. O que o ajudou a tomar a decisão? 

Pense em coisas como:

- Uma extensa pesquisa para cobrir todas as possíveis áreas obscuras?

- A opinião de um amigo?

- O suporte incondicional do seu parceiro?

- Intuição, gut feeling?

- Confiança em alguém específico que estava com você durante esta mudança?

- Fé?

Quando decidimos mudar para Holanda, sem dúvida usamos a lista toda acima para tomar a decisão, mas o fator decisor, no meu caso, foi da fé. Foi ela que desempatou a minha lista de prós e contras. Pense na sua última decisão difícil e no que fez a diferença para você naquele momento. Na próxima vez em que estiver paralisado em cima do muro o seu fator de desempate pode te dar o impulso necessário para escolher um dos lados.

2. Será mesmo que temos escolha?

Não tem resposta certa aqui, mas para a surpresa de muitos, alguns pensadores irão argumentar que no não, no fundo não temos escolha. Não vou fazer nenhuma menção teológica, mas mostrar como três diferentes vertentes filosóficas olham para este tema. Cada uma delas traz seus prós e contras e só o fato de refletir sobre elas pode ajudar a repensar como tomamos (ou não) nossas decisões.

Pré-determinismo

O pré-determinismo é uma crença filosófica que afirma que todos os eventos e situações são predestinados ou determinados de antemão. Segundo essa visão, tudo o que acontece no universo é resultado de uma cadeia causal que começou no início dos tempos e que é regida por leis imutáveis. 

Isso significa que as escolhas que fazemos em nossas vidas, assim como o resultado de nossas ações, já foram determinadas antes mesmo de nascermos. O pré-determinismo é uma ideia que tem sido debatida por filósofos, teólogos e cientistas ao longo da história, e continua sendo uma questão controversa até hoje. 

Alguns argumentam que essa crença é incompatível com a liberdade e a responsabilidade humana, como se nós fossemos apenas marionetes numa história de final já definido. Já outros afirmam que ela é consistente com a ideia de que o universo é regido por leis naturais, com o bônus de uma existência mais leve e curiosa, liberta da pressão da escolha. Quem acredita na predestinação entende que as coisas acontecem por alguma razão, e neste caso só nos cabe então olhar para os fatos sem julgamento, curtir a jornada.

Racionalismo

Spinoza, filósofo holandês do século XVII, é conhecido por sua abordagem única do racionalismo. Ele argumenta que tudo no universo é composto por uma única substância infinita, que ele chama de Deus ou Natureza (para ele, Deus não é um ser sobrenatural mas a totalidade do universo, incluindo toda a matéria e energia que o compõem), e que todos os seres humanos são partes dessa substância. Ele acredita que a liberdade é uma ilusão, pois tudo o que fazemos é determinado pelas leis da natureza, como uma cadeia infinita de causa e efeito da qual fazemos parte sem mesmo perceber (lembra do efeito borboleta?).

No entanto, Spinoza argumenta que podemos alcançar a liberdade mental ao compreender as causas de nossas emoções e ao aprender a controlá-las. Assim, a felicidade seria alcançada através da compreensão e aceitação da natureza do universo, e pela busca de uma vida em harmonia com essa natureza. Resumo: sem poder escolha nesta opção também.

Esta ideia também ressoa com o conceito de sincronicidade de Carl Jung, que descreve a ocorrência de eventos que parecem coincidentes, mas que têm um significado mais profundo e não podem ser explicados pela causalidade (sabe como é, né? Aquela coincidência que é significativa demais para ser coincidência). Jung acreditava que esses eventos não ocorrem aleatoriamente, mas são uma manifestação do "inconsciente coletivo", uma camada do inconsciente que é compartilhada por todos os seres humanos e que contém conteúdos simbólicos e arquetípicos. 

Spinoza

Existencialismo

O existencialismo de Sartre é uma corrente filosófica que enfatiza a liberdade e a responsabilidade individual na criação de significado e propósito na vida. Para Sartre não há nenhum sentido inerente à vida, e assim os seres humanos são essencialmente livres para tomar nossas próprias decisões. Há por um lado muita liberdade e autonomia, mas por outro o peso enorme da responsabilidade. 

Você já deve ter visto estas frases de empoderamento na Internet que nos vendem uma ideia de que o mundo é um “mega buffet” e alcançar o sucesso só depende de nós, como se tudo fosse apenas uma questão de esforço. E a coisa não é exatamente assim, não é mesmo?

Para Sartre, a existência humana é caracterizada por uma luta constante para encontrar significado e propósito em um mundo sem sentido, e é através dessa luta que podemos alcançar uma sensação de realização e felicidade, porque somos capazes de criar nossos próprios significados. 

Sartre

3. Reduza as suas escolhas

Imagine o seguinte cenário: você tem três sabores de sorvete à sua escola - flocos, chocolate e morango. Supõe-se que ao escolher um deles você estaria razoavelmente satisfeito. Seguindo esta lógica, ao lhe oferecer agora dez sabores ao invés de três você ficaria ainda mais feliz, já que talvez seja um fã de pistache. Em uma versão mais ousada, trinta sabores te deixariam extasiado com a possibilidade de escolher seu gelado de laranja com nozes pecã. Resumindo: quanto mais escolhas, maiores as chances de satisfazer suas necessidades específicas.

Acontece que os estudos indicam exatamente o oposto. Mais escolhas nos deixam mais infelizes. Nos sentimos antecipadamente arrependidos, sofremos a pressão de não estar fazendo a melhor escolha (e se tiver uma alternativa melhor não considerada?), nos sentimos julgados pelos demais, ficamos infelizes com as nossas opções (ainda que sejam perfeitamente adequadas), e por fim nos sentimos pessoalmente responsáveis por possíveis consequências negativas, o que nos leva a tão afamada paralisia por análise.

O autor Barry Schwartz fala sobre isso no livro "O paradoxo da escolha", onde argumenta que, apesar de vivermos em uma sociedade que valoriza a liberdade e a escolha, ter muitas opções pode ser prejudicial para nossa felicidade e bem-estar. Ele defende que, em vez de buscar cada vez mais opções, deveríamos nos concentrar em escolhas significativas e tomar decisões com base em nossos valores pessoais, em vez de em suposições sobre o que nos fará mais felizes. 

Além disso, vale lembrar que tomar decisões consome energia mental e física. Cada decisão que tomamos exige que o nosso cérebro processe informações, avalie opções e escolha uma ação apropriada. Quanto mais opções temos para escolher, mais difícil é para o cérebro avaliar e decidir, o que consome ainda mais energia, ou fadiga de decisão - uma condição em que a capacidade de tomar decisões é reduzida devido ao esgotamento mental. Se você passa trinta minutos pela manhã decidindo o que vestir e qual cereal escolher para o café da manhã, saiba que parte do seu saldo está sendo usado, e que portanto você não estará tão afiado algumas horas mais tarde quando precisar tomar uma decisão realmente importante.

A sugestão? Simplificar as escolhas (menos roupas, menos livros, menos ingredientes, menos serviços de streaming) e concentrar-se em escolher o que é realmente relevante em vez de ficar obcecado com a ideia de que a felicidade está sempre a um clique de distância.

4. Maximizers vs. Satisficers

Barry Schwartz traz um outro conceito interessante. Segundo ele os “Maximizers” ou maximizadores são aqueles que querem o melhor, enquanto os “Satisficers” ou satisfatórios buscam o suficientemente bom.  

Vamos imaginar este outro exemplo: você sai para comprar uma jaqueta. Ao entrar na primeira loja você bate o olho num modelo interessante. Prova e logo de cara se sente bem com ela. O tecido parece bom, é confortável, tem o seu tamanho e está num preço que você pode pagar. Se você for um “satisficer” você então se dirige para o caixa, faz sua compra e a nossa história chega ao fim. Já se você é um “maximizer” isso não será possível. Esta foi a primeira loja que você entrou, e se na loja ao lado houver uma opção melhor? E se houver a mesma opção, mas com o preço um pouco mais baixo? E se online for possível encontrar outros modelos que você ainda não está considerando? 

É claro que na primeira parte da história há bem menos sofrimento com a escolha, mas o ponto aqui não é sobre se contentar com o suficientemente bom (ainda que eu ache esta uma excelente sugestão), mas se perguntar em qual categoria a decisão que você tem pela frente se enquadra. Quanto maior o risco envolvido, maior a necessidade de pesquisa. Se você estiver avaliando a compra de uma casa, carro, ou qual faculdade cursar, será natural que o tempo dedicado à pesquisa seja maior. Mas se você fizer isso antes de pedir uma pizza esteja alerta, você está usando sua preciosa energia mental à toa.

5. Tire a prova dos nove

Ainda está na dúvida? Estas perguntas podem ajudar?

O que você tem medo que aconteça?

Listar as mais terríveis (e absurdas) consequências possíveis de uma decisão mal tomada sempre ajudam, uma vez que se soubermos com o que estamos lidando, os obstáculos parecem menores. Nosso maior medo não é na realidade lidar com as consequências, mas com o desconhecido.

Quem são as pessoas que exercem poder sobre a decisão?

Pense em quem lhe influencia, quem lhe parece exercer algum poder de julgamento sobre a sua vida e esta escolha? Isso a um primeiro momento pode soar negativo, mas não precisa ser. Se você tem alguém na sua vida em quem confia e que lhe parece um influenciador, porque não conversar com esta pessoa a respeito? Talvez o simples fato de falar sobre o assunto traga sossego e acalento.

Que conselho meu inimigo me daria?

Pensar no conselho que seu inimigo hipotético lhe daria (e fazer o contrário, logicamente) pode ser uma maneira divertida de tomar uma decisão quando o medo da mudança for o fator central da paralisia. Atenção: isso não funciona para decisões mais complexas, ok?

6. O que você quer ser? O método Ser, Fazer, Ter (BE, DO, HAVE)

Esta foi a minha parte favorita da reflexão. Pense em coisas que fazem parte da sua identidade. Valores que estão tão arraigadas em você que não há nem sequer a necessidade de tomada de decisão, porque elas acontecem de forma natural. 

Eu por exemplo sou uma pessoa muito responsável. Ninguém precisa me dizer para ser assim, eu sou naturalmente. Eu só vou conseguir relaxar depois que fizer minha “lição de casa”. Eu não preciso pensar “Será que termino este texto ou vejo um filme?”. Zero necessidade de decisão, eu vou terminar este texto, caso contrário não consigo assistir ao filme. Também faz parte da minha identidade de mãe me comportar de determinada forma, e posso claramente ver meu comportamento natural na minha identidade profissional. A decisão vem sem esforço. 

Mas então como sofrer menos com as decisões? Se elas estiverem centradas em nossa identidade, então as respostas vêm mais naturalmente.

Mas o que acontece se você não estiver completamente satisfeito com sua "identidade atual"? E se no meu caso, por exemplo, eu quisesse ser alguém mais relaxado, ou só um pouquinho menos responsável?

O método Ser, Fazer, Ter, pode ajudar. Mais uma historinha para exemplificar o conceito: imagine que você quer ter (HAVE) saúde, ou um corpo saradão. Para isso você pensa que precisa fazer algo (DO), como ir para a academia, ou começar a correr, para então ser (BE) alguém que corre ou sente prazer ao fazer exercícios físicos. O problema com esta lógica é que sem ingressar numa nova identidade, sem ser a pessoa que faz estas coisas, fica muito difícil manter este “fazer” no longo prazo. Depois de poucas semanas você pára de correr ou desiste da academia.

A ideia aqui é então inverter a lógica, começando pelo Ser, para então Fazer, e finalmente Ter, porque quando você está SENDO, o fazer vem naturalmente, sem a necessidade de decidir novamente.  

Neste exemplo nosso protagonista poderia “pisar” na sua nova identidade de corredor, se posicionando como tal. Esta pessoa poderia se perguntar: o que os corredores fazem? Que tipos de coisas leem? Que lugares frequentam? Qual a rotina de um corredor? Ao se identificar como um corredor, e se posicionar como tal (ainda que no início isso parece falso ou irreal), nosso protagonista cria as oportunidades de que precisa para agir como um (Ser), e começa a se comportar como tal (Fazer), para então alcanças os resultados que almeja (Ter). O agir como um corredor passa a ser mais natural, o hábito está posicionado sobre a sua nova identidade. Isso tudo pode parecer tolo, ou só um jogo de palavras, mas assumir uma nova identidade antes de pensar nos resultados faz toda a diferença.

7. O que o medo da decisão quer te contar?

Por fim, tente cavar um pouco mais fundo para entender o que está te bloqueando. Muito provavelmente a resposta do seu dilema já foi tomada, e você só está esperando o momento (ou a coragem) de realizar aquilo que já foi decidido. Esta frase de Carl Jung resume bem a ideia:

“Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamar isso de destino” - Carl Jung

A resposta já está aí, dê o passo.

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