Dor é um negócio muito relativo. Quando alguém diz para você que algo dói muito, ou que é muito difícil, é de fato bem complicado mensurar com acuracidade. Lembro de ter perguntado algumas vezes para a minha médica quanto doía colocar o diu. Ela disse: “olha, dói um pouco, mas é suportável”. Mas como assim suportável? Pra quem? Perguntei se alguém já chorou e como ela diria que era a dor numa escala de 0 a 10. Infelizmente ela nunca tinha sentido ela mesma, então fiquei com a minha imaginação. Isso vale para parto, extrair ciso ou os primeiros meses do bebê em casa.

E foi assim também para morar fora. Todo mundo que já experimentou dizia: “se prepare, o começo é muito difícil”. Mas difícil quanto exatamente? Que parte? Dá para colocar numa escala?

Bom, vamos a um exemplo prático, um dia comum. Missão: visitar uma escola para minha filha e imprimir até as 13 hs o contrato para aluguel do apartamento. Saí logo cedo, tentando me encontrar no transporte público e morrendo de frio. Havia um horário específico para uma visita de um grupo de pais. Uma hora depois cheguei na escola, uns minutinhos antes (ufa, não queria passar carão logo na primeira vez) e logo descobri que toda a apresentação seria em holandês. Béééééé! Passei duas horas de poker face assistindo slides sem fim, sem entender uma palavra, e ouvindo outros pais esclarecerem dúvidas importantes sobre o futuro de seus filhos. Ok, next! 

Saí de fininho e com a internet muito ruim consegui encontrar um lugar para imprimir o tal documento. Andei 3 km até chegar no dito! Frio, vento, chuva. Quando cheguei lá a internet não funcionava para enviar o arquivo e o senhor que me atendeu não fazia muita questão de ajudar. Saí praguejando, mão congelando e já quase sem bateria. Sem internet achar o caminho de casa já seria difícil, uma copiadora então, quase impossível. Fui me guiando pelo tato até perto de casa, perguntando para os gentis onde poderia conseguir este ouro em formato de palavras gravadas no papel.

Achei por fim um lugar. Um milímetro de bateria para enviar o tal arquivo. Não conseguia distinguir os botões (novamente em holandês) para impressão em preto e branco, frente e verso, já que pelo pouco que eu entendi da placa era algo caro e eu tinha um calhamaço para imprimir. Dale contar moeda. E foi assim que, 6 horas depois, consegui chegar em casa com o papel na mão.

 É difícil? É. 

Não sei dizer numa escala, mas sei de certeza que na minha vida passada era só apertar um botão, então numa comparação simples, é infinitamente mais desafiador. Isso sem falar nas coisas importantes de verdade e na saudade sem fim. Aí eu me vejo perguntando: “Pra quê meu Deus do céu?!”. A resposta mais simples que certamente vem à mente é: “para que você saia dessa mais forte”.

Refleti muito sobre isso e cheguei a conclusão de que não pode ser este o motivo. Já que até então eu não PRECISAVA ser forte. E mesmo que precisasse no futuro, não existe algo como uma escola preparatória de perrengues da vida, ou algum tipo de reservatório de força que a gente vai enchendo para usar quando precisa. Na hora do vamos ver a gente corre ou encara. É assim.

Cheguei a conclusão que isso só poderia servir para uma coisa: compaixão.

Eu sempre gostei muito da palavra empatia, mas não sabia de verdade o que era isso. É claro que você não precisa realmente estar doente para sentir compaixão por quem está, mas é verdade também que se você já sentiu na pele a relação é outra. Eu nunca tinha vivido nada parecido e por isso não poderia estar atenta às pessoas a minha volta que precisavam de mim.

Em minutos me lembrei de dezenas de vezes em que me comportei exatamente como o cara na copiadora. Eu não percebia, porque não me importava. Essa é a verdade. 

Me lembrei da minha mãe. Nossa casa sempre foi um hub, com gente de todos os lugares conectados a minha mãe de alguma forma, e para todos ela tinha algo para oferecer e uma ajuda a dar. Quando alguém vinha de longe, de ônibus, ao se despedir ela dizia: “não vai de ônibus não, o fulano aqui te leva”. Isso é claro causava ira na hora e risadas depois, porque ela oferecia sem saber se o tal fulano queria ir, se tinha planos de ir no cinema e se a carona era de 30 quilômetros. Mas ela sabia. Já havia sido pobre de verdade e passado todos os tipos de perrengue. Ela sabia que o cansaço estava disfarçado de educação e que a viagem sentado no carro conversando sobre a vida seria um pequeno refresco para a alma, numa vida às vezes sem qualquer gentileza.

Por fim entendi que tudo isso não está servindo para me deixar mais forte. Na realidade está me deixando mais fraca, e ironicamente é disso exatamente que eu preciso para enxergar o outro.
"Porque quando estou fraco então sou forte". 2 Coríntios 12:10

Talvez seja preciso quebrar algo para fazê-lo novo. E quando a dor é totalmente injustificada, fico com o que disse Amelia Earhart “A aventura por si só já vale a pena”. Ao menos ela me trouxe até você agora, e quem sabe inspirou um olhar acima da tela para alguém com carinho e empatia.

PS.: acho que numa escala de 0 a 10, dói 8,5.

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