Tem dias em que honestamente me sinto fantástica. Acho que estamos mais bonitas agora do que na casa dos vinte. Há tanta liberdade em baixas expectativas. E não quero dizer de um jeito ruim. A questão é que quando se é jovem, a gente se imagina constantemente numa futura versão melhorada. Alguém que do nada vai nos substituir num futuro próximo, ainda que não se sabia muito bem quando ou como, já que não fazemos nada para merecê-lo. No futuro da mente jovem somos malhadas, a gente se veste com aquele estilo chique sem esforço, o trabalho é fantástico, e assim por diante. Já depois dos 40, bem… nós simplesmente aceitamos as coisas do jeito que elas são. De novo, não de um jeito ruim, mas realista, estóico. Ficamos um pouco mais confortáveis na nossa pele, como as pessoas dizem, ou pelo menos, mais honestas. E sem faltar com a última, acho mesmo que a gente ainda tá batendo um bolão.

Mas têm outros dias.

Da mesma forma que um arco de cabelo prateado aparece da noite para o dia fazendo uma moldura no meu rosto (e zombando da grana que paguei recentemente pra ter meu cabelo tingido), o meu rosto e o meu corpo começam a dar sinais. As pálpebras vão caindo, linhas finas se proliferam debaixo dos olhos, manchas escuras pipocam por todos os lados, o corpo se enche de algo onde antes não havia nada. Eu sabia que as mulheres se preocupavam com coisas caindo, mas nunca me ocorreu que as bochechas seriam as primeiras. Na lista de preços do botox eu comecei a entender sobre o que seriam os próximos anos: pé de galinha, bigode chinês, ruga de bravo.

Eu sempre pensei que envelheceria graciosamente, mas certamente era porque ainda não estava envelhecendo. É como pensar nos pais que seremos antes de ter filhos.

A adolescência é uma fase em que nos perguntamos "Eu sou bonita?" ou pelo menos somos curiosas (às vezes obcecadas) sobre o que as outras pessoas pensam de nós. Isso de alguma forma desaparece por volta do final dos 30, quando paramos de nos importar e começamos a nos divertir. Quando os 40 chegam, a pergunta muda para "Ainda sou bonita?". A perda do capital da beleza é real.

Admiro toda essa ideia da revolução grisalha que veio especialmente depois do Covid e entendo a cobrança social imensa sobre as mulheres que assumem suas madeixas naturais. Mas eu cresci com mulheres de raízes retocadas e unhas longas vermelho vivo. Nunca vi minha avó materna sem o cabelo castanho penteado e as unhas perfeitamente esmaltadas. Aos 11 anos, Nicole já diz que me preocupo demais com minha aparência, mas isso é porque ela não conheceu minha avó. Vou deixar que ela lide com isso a seu próprio tempo, quando estiver com as suas rugas e colocando a culpa em mim.

Sob pressão da minha mãe, fiz Botox algumas vezes e odiei a experiência (apesar de não tanto o resultado). A conversa com a moça foi perturbadora: "Você ainda quer conseguir mexer a testa?". Que tipo de pergunta é essa? Só a ideia de injetar uma toxina de propósito (e pagar caro por isso) parecia ridícula. Por aqui Botox não é coisa comum, e as pessoas não falam abertamente sobre isso. Então eu me decidi, "nunca mais", disse a mim mesma. Vou me tratar de dentro para fora, e serei linda, sábia e chique como Meryl Streep. Comecei a olhar para os rostos das mulheres a minha volta e amei suas aparências naturais. Os europeus sabem envelhecer com orgulho, pensei.

Beleza bonita de verdade é aquela que parece sem esforço (e pagamos muito para fingir que não estamos fazendo nada).

Se você não passou ilesa pelas loucuras estéticas dos últimos anos talvez se enquadre na categoria que estou tentando descrever. O cabelo chapinha e excessivamente coberto de luzes, as sobrancelhas da Nike, os cílios colossais (daria para proteger uma criança da chuva debaixo dessas coisas), carboxiterapia (Jesus Cristo) e mais recentemente o preenchimento labial (pra mim esse é o pior de todos, parece que a pessoa sofreu num incêndio que atingiu milagrosamente só a boca).

Mas voltando ao meu tema aqui, o dilema grisalho. Em janeiro comecei a minha operação beleza natural: me matriculei num estúdio de yoga, fui a uma nutricionista, comecei a tomar uma dose diária de colágeno e pesquisei sobre o “gray blending” (nome chique pra deixar o cabelo branco mesmo). Mas sabe o quê? Não estou pronta. A verdade é que, por mais que eu admire essa ideia, não consigo ficar grisalha. Aposto que Meryl Streep tem um pouco de Botox, cremes caríssimos para cada pedaço do rosto e uma equipe inteira de esteticistas calculando seu envelhecimento gracioso. 

Para encurtar este texto já demasiadamente longo, a operação falhou, e poucos meses depois reporto seu novo status: fiz Botox de novo, uma agenda pra retocar o cabelo a cada três semanas e comprei novos cremes caros pra testar. 

Seu tempo na terra é limitado. Não tente "envelhecer graciosamente", envelheça com travessuras, audácia e uma boa história pra contar.

Nossa tempo na terra é limitado. Não sabemos o que está por vir. Então minha proposta é de que evitemos envelhecer graciosamente e congelar o tempo (ou a testa). Um plano muito mais interessante é viver com audácia, bom humor e com a certeza de que o que temos exatamente agora é precioso demais para passar despercebido. Nos dias em que fica difícil demais passar essa idea da cabeça para o coração, o poema abaixo ajuda.

‘If You Could Go Back For One More Day’

I’m 80 years old. And somehow… I woke up in my 32-year-old body. Just for one day. Little hands tug at the blankets. “Mommy, wake up!” they laugh. I blink, I sit up— My babies. Small again. I gasp. I cry. They climb into bed, giggling, wiggling. I used to rush through mornings— but not today. I pull them close. I hug them tight. I kiss their messy hair, their tiny hands in mine. This time, I soak in every second. In the mirror— no deep lines, no grey hair. My younger face. I used to think I looked old at 41. What a silly thought. In the kitchen, my husband makes coffee. Strong. Young. I wrap my arms around him, and hold on. He looks surprised. Maybe we didn’t hug enough back then. We talk about nothing. But today, it feels like everything. I memorize the sound of his voice. The car ride— kids bickering over seatbelts, crumbs everywhere. I used to be so frustrated. Today, I soak it in. One day my car will be quiet, spotless, but not today. Dinner— loud, unorganized, full of shouting, giggling, life spilling over. I don’t clean up right away. I just sit and watch. Trying to burn it into memory. Before bed, I call my mom. Her voice— I haven’t heard it in years. “Mom…” I close my eyes, let her words wash over me. I tell her I love her, again and again. This time, I leave nothing unsaid. At bedtime, I don’t skip pages. Not tonight. I read every word. Then I ask, “One more book?” With excitement they say yes. I don’t want this day to end. Because this time, I knew. This was joy. This was love. The little hands, the messy dinners, our strong young bodies, our parents still alive. It all mattered. So much more than we ever realized.

*Author unknown

“Se Você Pudesse Voltar Por Mais Um Dia”

Tenho 80 anos. E de alguma forma… acordei no meu corpo de 32 anos. Apenas por um dia. Pequeninas mãos puxam os cobertores. “Mamãe, acorda!” elas riem. Eu pisco, me sento— Meus bebês. Pequenos de novo. Eu suspiro. Eu choro. Eles sobem na cama, rindo, brincando. Eu costumava me apressar pelas manhãs— mas não hoje. Eu os puxo pra perto. Aperto-os forte. Beijo seus cabelos bagunçados, suas mãozinhas nas minhas. Desta vez, eu aproveito cada segundo. No espelho— sem rugas profundas, sem cabelos grisalhos. Meu rosto mais jovem. Eu costumava pensar que parecia velha aos 41. Que pensamento bobo. Na cozinha, meu marido prepara o café. Forte. Jovem. Eu o envolvo em meus braços e me deixo estar por um tempo. Ele parece surpreso. Talvez não nos abraçássemos o suficiente naquela época. Conversamos sobre nada. Mas hoje, parece tudo. Eu tento memorizar o som da sua voz. No carro— crianças brigando pelos cintos de segurança, migalhas por toda parte. Eu costumava ficar tão frustrada. Hoje, eu absorvo tudo. Um dia meu carro estará silencioso, impecável, mas não hoje. Jantar— barulhento, desorganizado, cheio de gritos, risadas, vida transbordando. Eu não limpo imediatamente. Apenas sento e observo. Tentando gravar tudo na memória. Antes de dormir, eu ligo para minha mãe. Sua voz— eu não a ouvia há anos. “Mãe…” fecho os olhos, deixo suas palavras me envolverem. Digo que a amo, de novo e de novo. Desta vez, não deixo nada por dizer. Na hora de dormir, eu não pulo páginas. Não esta noite. Leio cada palavra. Então pergunto, “Mais um livro?” Com entusiasmo, eles dizem sim. Eu não quero que este dia acabe. Porque desta vez, eu sabia. Isso era alegria. Isso era amor. As mãos pequeninas, os jantares bagunçados, nossos corpos jovens e fortes, nossos pais ainda vivos. Tudo importava. Muito mais do que jamais percebemos.

* Autor desconhecido.

Liguei pra minha mãe. Conversamos sobre coisas sem importância. Mostrei fotos de mulheres estilosas de cabelo platinado e falei sobre a minha ideia de abraçar meus cabelos grisalhos. Ela disse: "Minha filha, comece a rezar pra ter perseverança porque você vai precisar pintar o cabelo a cada 3 semanas pelo resto da sua vida". Eu ri e concordei. Nenhum conselho seria mais a cara da minha mãe. Em nenhum dia me senti mais feliz em poder ouvi-lo.

PS.: Estou definitivamente hormonal enquanto escrevo isso. Hoje mais cedo dirigimos até um local pra descarte de eletrodomésticos para jogar fora a nossa AirFryer. O plano inicial era doar, mas ninguém a quis. No momento derradeiro eu a abracei, agradeci pelas inúmeras refeições e dei um beijo de despedida. O Giu pegou o equipamento das minhas mãos (ainda quente, devo dizer), saiu do carro e o lançou pelo ar caindo estilhaçado num contêiner de lixo. Eu vi tudo em câmera lenta. Não consegui me segurar e caí no choro. Foi ridículo. Crianças se entreolhando no banco traseiro do carro. Ela era velha, com certeza, mas ainda funcionava. Como disse uma amiga minha, “nunca se sabe quando vamos fritar nosso último frango”, não é mesmo? Bora aproveitar a vida.

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Se você quer ler mais sobre o assunto, meu papo-cabeça completo está no livro Ser Humana, reflexões sobre o tempo, carreira, maternidade e tudo mais que nos faz valentes e imperfeitas. Link aqui.

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