Esse ano fui promovida. Quando aconteceu, alguém me perguntou se isso estava nos meus planos (na minha estratégia de cinco anos, no meu mural de visualização, ou no que mais se precise fazer para evoluir). Achei a pergunta um pouco estranha e respondi com um “não” bem curto que deixou o outro desapontado. “Eu te considerava mais estratégica”, disse ele. Essas coisas, assim como quase tudo na vida, penso eu, acontecem como produto das coisas que fazemos todos os dias, e normalmente não acontecem quando as temos como um fim. Isso me fez pensar sobre o trabalho, as coisas que queremos, as que simplesmente acontecem (e sobre por que todas as questões filosóficas deprimentes nos atacam aos domingos).

À altura da promoção estava lendo um livro sobre o sentido do trabalho. Certo capítulo dizia que reconhecer quanto tempo nos resta nos faz avançar em direção ao trabalho dos sonhos, ou pelo menos nos tira da inércia para fazer algo a respeito.

A matemática era mais ou menos assim: considere 85 anos como uma boa expectativa de vida, subtraia 20 anos de alguma doença grave imprevista e então verifique quanto tempo você tem para viver. No meu caso, 23 anos. Esse é o tempo que tenho para fazer qualquer coisa que queira nesta terra. É suposto funcionar como uma ansiedade positiva.

Quando decidimos nos mudar para a Holanda, eu estava decidida a mudar de carreira. Já havia trabalhado quase 20 anos em Marketing e achava que era o suficiente. Então embarquei em uma jornada exploratória incrível. Um giro de 360 graus que me trouxe exatamente ao lugar onde comecei (ba-dum-tss! 🥁). Estudei Design de Moda, Psicologia, escrevi o livro, o blog, fiz um punhado de cursos de branding, prestei consultoria, explorei Mindfulness. Mas no final, tantos anos em Marketing são o que conta em termos de contribuição real, e é isso que as pessoas olham quando consideram lhe dar um emprego. Eu me senti como o Jim Halpert da série The Office: “Se eu fosse embora, o que eu faria com todas essas informações inúteis na minha cabeça? Sabe? Preço por tonelagem de papel manilha?”. 

Voltando à minha jornada, eu sempre me confortei com o pensamento de que não era sobre Marketing, que o assunto com o qual lidamos no trabalho realmente não importa (tonelagem de papel, de camelos, de sanduíches), mas que é sempre sobre pessoas. Estar com pessoas, brigar com elas, fazer amigos delas, ter ideias, construir qualquer coisa juntos. Essa motivação tribal pode ser parcialmente verdade, mas ainda me impressiona como um conjunto aleatório de eventos nos coloca em uma jornada de vida que é muito difícil mudar depois de um tempo. Parece que as forças que nos levam a determinada tribo são as do acaso, e uma vez lá ficamos enrolados numa teia de consequências intermináveis (que algumas pessoas chamam de carreira). A história está cheia de exemplos de pessoas extremamente talentosas que começaram as tais depois dos 60, mas comparadas aos milhares que somos, essas pessoas parecem bem mais exceções que regras. 

Minha leitura falava sobre a ideia de sermos “profissionais monógamos”, mesmo que passemos a maior parte do tempo fantasiando a respeito de alternativas (sou culpada disso aí, portanto, uma trabalhadora promíscua), e terminava com a ideia do “trabalho suficientemente bom”, ecoando a ideia dos “pais suficientemente bons” do piscanalista britânico Donald Winnicott. De uma forma muito estoica, ele conclui:

“É muito triste. Mas não é triste somente para si mesmo. É uma ideia trágica, estranhamente consoladora, de que a imaginação inevitavelmente supera o potencial. (...) Quase certamente morreremos com muito do nosso potencial não desenvolvido.”

Este texto está ficando levemente depressivo (eu culpo o domingo), mas na realidade não é sobre isso. Também não é sobre trabalho. Como escreveu o filósofo Bertrand Russell,

“Um dos sintomas de um colapso nervoso eminente é a crença de que o seu trabalho é terrivelmente importante.”

Talvez seja, como sempre, sobre a felicidade e o sentido da vida. 

Lembro que escrevi em algum dos textos aqui, já não me lembro bem qual deles, que se não formos felizes agora, nas exatas condições em que nos encontramos, nada nos garante que o seremos no futuro. Logo depois que comprarmos aquela casa, fizermos aquela viagem, trocarmos de emprego ou ganharmos aquela promoção. Talvez felicidade seja como casamento, uma questão de escolha e prática.

"Se suas conquistas passadas não lhe trouxeram uma felicidade significativa, não espere que suas conquistas futuras o façam. Lembra daquela coisa que você tanto queria? Se consegui-la não mudou significativamente sua felicidade a longo prazo, então você também não deve esperar que a coisa que você quer agora a mude. Você é tão feliz quanto decide ser hoje. E algum dia, daqui a alguns anos, depois de conquistar aquilo pelo qual tanto lutou, você terá que decidir ser feliz também naquele dia." James Clear

Ao pensar sobre carreira e propósito, algumas pessoas refletem sobre o que fariam se não precisassem de dinheiro, ou ainda o que fariam até de graça.  Nesse texto aqui incluí algo similar, mas com um ângulo um pouco diferente: “Qual seria a coisa mais interessante que você poderia fazer se você acreditasse que a sua vida não tem um propósito?”.

Refletir um pouco sobre isso nos faz pensar na pergunta por detrás da pergunta. Identificar o que está pesando na balança, já que a gente se preocupa muito mais com as coisas com as quais acreditamos conectadas ao nosso propósito. Trazendo esta questão para o universo do trabalho, se acreditássemos por um domingo que o que fazemos não tem nenhum propósito, certamente detestaríamos os slides, as toneladas de emails, as horas de reuniões, as apresentações "importantes", e as besteiras que nos deixam acordados de madrugada.

Talvez se nada realmente importasse, minha hipótese é de que por um momento esqueceríamos as metas e passaríamos o tempo nos conectando como pessoas. Até que isso não fosse mais suficiente, e então passaríamos a ter ideias, a sonhar juntos novamente, a tentar criar bonito.

É isso que fazemos. Nos conectamos, e então sonhamos em criar algo maior que a soma das partes. Neste sentido não é a coisa em si que importa. O “o que” ou o “onde” mudam o tempo todo, mas importa o “com quem”.

Minha conclusão é de que, como sempre, as coisas terminam do jeito que começaram, e a melhor forma de encontrar o trabalho dos sonhos não é fazendo disso um fim ou meta, mas apenas ocupando-se com frequência daquilo de que se gosta, sem pensar demais no assunto (no meu caso literalmente o que faço ao escrever esse texto). Afinal, se tiver muita sorte, ainda terei o privilégio de 23 anos de trabalhos suficientemente bom, e amanhã é segunda-feira.

"Vendi papel nesta empresa durante doze anos. Meu trabalho era falar com os clientes ao telefone sobre quantidades e tipos de papel para copiadora. Mesmo que eu não tenha amado cada minuto, tudo o que tenho devo a este emprego... este emprego estúpido, maravilhoso, chato e incrível."

PS.: Não ganhei aumento.

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Se você quer ler mais sobre o assunto, meu papo-cabeça completo está no livro Ser Humana, reflexões sobre o tempo, carreira, maternidade e tudo mais que nos faz valentes e imperfeitas. Link aqui.

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